sábado, 13 de dezembro de 2008

HSP

Respeito... acho que foi isso a primeira coisa que senti, logo quando avistei as imensas paredes, esquecidas e maltratadas pelo tempo mas ainda imponentes. Havíamos finalmente chegado ao Hospital Psiquiátrico São Pedro. Por décadas, lar, prisão e manicômio de milhares de pessoas, tidos como loucos muitas vezes por não se adaptarem ao padrão da época em que viviam... Se eu tivesse nascido 50 anos antes... teria sido este meu destino? A duvida persiste, acredito que nunca saberei a resposta, e talvez seja melhor assim. Chegamos a entrada, uma pequena escadaria de mármore nos levava até onde acredito ser a antiga recepção. Fomos conduzidos até uma área aberta onde nos falaram algo sobre a historia do HSP, não prestei muita atenção, meus sentidos estavam sobrecarregados. As plantas e os pássaros traziam vida aquele lugar esquecido no tempo, ao norte uma grade que nos permitia ver ao longe a rua por onde chegamos, possivelmente no auge do HSP se via apenas mato, até onde os olhos alcançavam. As janelas que nos cercavam tinham grades o que tornava ainda mais sombrio e deprimente o local. A oeste algumas portas distantes do solo, logo ao seu pé algo semelhante a um bueiro com grades, talvez para a água da chuva escoar... não faço idéia do que era ali, me pareciam celas, talvez aquelas aberturas não fossem para a água passar... prefiro não pensar. Somos conduzidos ao segundo andar onde podemos apreciar ah uma espécie de reconstrução de algumas alas do antigo HSP. “Paciente Tal. Curado as 6 horas.” Era umas das inscrições no que deveria ser o prontuário da época que agora jazia na forma de um enorme livro amarelado sobre uma escrivaninha. Era como se eu visse aquele Doutor escrevendo no livro, sob uma fraca luz, e pensando “agora ele esta curado, fizemos um ótimo trabalho.” A duvida insurge dentro de mim, “como assim curado?! O que será que ele quis dizer com isso?” já sabia que o paciente não havia morrido pela pagina anterior, então realmente queria dizer que ele tinha ganhado alta... as 6 horas da manhã... curado de sabe-se lá o que, uma vez que a letra do médico me impedia de saber o que o paciente supostamente tinha. Prosseguimos pelo corredor chegando a uma sala bem iluminada que continha alguns dos instrumentos utilizados no Hospital, desde os bisturis até o antigo aparelho de eletro-choque. Mais tarde eu viria a descobrir que o eletro-choque pode realmente ser útil – hã quem diria?! – em alguns casos para acalmar pacientes em crise. Antes de sairmos desta ala, vimos um filme dos tempos de “glória” do HSP, que fazia o antigo manicômio parecer um belo lugar. De lá fomo levados ao prédio de artes, onde nos foi mostrado alguns dos trabalhos dos internos que ainda residem no local. Mais uma vez a explicação não me chamou a atenção, estava absorto nos detalhes que se mostravam muito mais esclarecedores. As antigas portas de madeira, tinham dobradiças pontiagudas, provavelmente porque quem estivesse atrás daquelas portas não queria estar lá, e faria de tudo para sair. Adentrando em uma das salas, percebi que me encontrava agora na sala de cirurgia que havia visto no filme, quantas vidas não foram tiradas ou devolvidas naquela sala? Adiante estava algo que poderia ser o leito de recuperação ou um banheiro coletivo, infelizmente eu estava prestando atenção a explicação e não me detive nestes detalhes, e sim nos quadros pintados pelos internos. Finalmente chegamos a oficina de arte, onde tivemos o primeiro contato de “3° grau” com os remanescentes da era de “glória” do HSP. A vantagem de se entrar por ultimo num lugar desses, é que se pode observar a reação das pessoas. E devo dizer, foi impagável! Quando um dos internos se aproximou da turma e começou a fazer perguntas, a expressão de medo e insegurança na cara de meus colegas foi deprimente. Alguns riam porque não era com eles, outros fugiam como se algo de ruim pudesse acontecer. O medo do desconhecido é fascinante de ser observado. Infelizmente não pude observar a minha própria reação quando um dos internos veio falar comigo, pessoa simpática, infelizmente não entendia nem 2/3 do que ele me falava. Mas foi o suficiente para entender que pelo menos pra ele, o motivo pelo qual seu olho direito estava “maculado” era porque ele havia levado um soco de alguém cujo nome não entendi. Curiosamente ele repetia a cada 8 ou 9 frases a mesma série de perguntas, qual meu nome, de minha mãe e de meu pai, alterando a ordem volta e meia. Eu estava curioso de mais pra prestar atenção no que acontecia ao meu redor. “O que levava ele a perguntar a mesma coisa? Será que foi algum trauma? Ele realmente se lembrava do que acontecera com seu olho? O que ele tem? Quanto tempo ele esta ali? Será que ele esta assim porque veio pra cá por ser diferente?” eram algumas das perguntas que brotavam em minha mente, infelizmente todas sem resposta... estava tão absorvido pela conversa que não reparei que um colega quase passara mal, possivelmente de tanto medo que sentiu de um dos internos que veio lhe “falar” na verdade me disseram que este estava gritando – não lembrava de ter ouvido grito algum até que me contaram o acontecido. Devo ressaltar, que observar a reação de meus colegas foi sem duvida a parte mais rica da visita. Após estes acontecimentos fomos ver as outras oficinas e dar uma volta pelo pátio do HSP. O ser Humano é um bicho curioso, é fascinado e ao mesmo tempo temo o desconhecido, é relutante a mudança mas não pode viver sem ela, e isto ficou bem claro com a visita.
PS: Nunca havia visto ao término de uma excursão, as pessoas voltarem tão rápido para o ônibus, isso deve significar algo. Mesmo eu fui rápido para o ônibus! Mais uma pergunta sem resposta... por que?!